O que temos feito com a nossa existência ?

Estamos falidos quando falamos em conceitos em geral, sejam eles políticos, econômicos, familiares, de relacionamentos, etc.
E o que temos feito da nossa existência ? Só uma passagem inútil, à qual buscamos somente satisfazer às nossas vontades e anseios e que não contribuem de forma alguma para a vida de ninguém.

domingo, 11 de setembro de 2011

Seminário

SEMINÁRIO DO TEXTO AS ARMADILHAS DA TRANSPARÊNCIA : O SEGREDO, O OBSCENO.

DO LIVRO ARTE, DOR : INQUIETUDES ENTRE PSICANÁLISE E ESTÉTICA DE JOÃO FRAYZE

O texto começa abordando pinturas de Botticelli, A Primavera e Nascimento de Vênus.

Sobre A Primavera, ele diz que era destinado a imprimir uma cura do mal maior, a melancolia,
e cita uma historiadora inglesa : Frances Yates, que diz que o propósito do quadro era imprimir
no olho e no espírito os vínculos solares e joviais do mundo.

Sobre Nascimento de Vênus, é dito que o negativo não aparece, nem pode aparecer. Inspira
ordem e harmonia, conjunção bem modulada de todas as partes. Poderia ser a personificação
da categoria sensível da beleza.

Fica subentendido que nos dois, existem elementos implícitos, ou seja, segredos na
composição das pinturas.

Começa então uma discussão sobre a modernidade e a intitulação da sociedade
contemporânea como moderna, e mais, esta auto intitulação; isto acarreta em uma
possibilidade de perda do que é, sendo que hoje é moderno mas amanhã não o será.

“ Diferença, separação, heterogeneidade, pluralidade, novidade, evolução, desenvolvimento,
revolução, história – todos esses nomes condensam-se em um : futuro. Não o passado nem
a eternidade, não o tempo que é, mas o tempo que ainda não é, que sempre está a ponto de
ser. Ou seja, a época moderna condenou-se a ser sempre outra, a negar-se inteiramente a si
própria (passado/presente) para se perpetuar.” (pg 193).

Modernidade e segredo, identidade e segredo : que relação mais concreta pode haver entre
esses termos?

A partir do século XVIII, a história de repressões cada vez mais fortes é substituída pela
tendência de se falar do sexo como um correlato dos cuidados que o aparelho administrativo
tem para com o bem estar social, este tipo de discurso transforma o sexo numa pulsão tão
forte que suscitou na criação de instituições de modalidade de controle coletivo e de exame de
consciência individual.

É neste momento que entramos no cerne da discussão do texto.

A sexualidade, como representação da essência do individuo cria um hábito pessoal de fazer
confissões.

O exame médico, e a personalização da confissão , no século XIX, Foucault designa como o
dispositivo da sexualidade e considera a confissão, particularmente a da sexualidade, um dos
componentes essenciais das tecnologias desenvolvidas para controlar e disciplinar os corpos,
as populações e a própria sociedade.

“.. Confessa-se; ou se é forçado a confessar. Quando a confissão não é espontânea, ou imposta
por algum imperativo interior, ela é extorquida; desencavam-na na alma ou arrancam-na ao

corpo. [...] O homem, no Ocidente, tornou-se um animal de confissão.”

E essas técnicas de confissão perdem sua localização puramente religiosa para se expandir a
esse aparelho de disciplina social.

A disciplina, é por assim dizer, uma fábrica de indivíduos, não pela repressão, mas pelo
adestramento.

Foucault diz que “ Tem-se portanto em oposição ao grande saber de inquérito, no meio da
Idade Média, que consistia em obter os instrumentos de reatualização de fatos através do
testemunho, um novo saber de vigilância, de exame, organizado em torno da norma pelo
controle dos indivíduos ao longo de sua existência. Esta é a base do poder, a forma de saber-
poder que vai dar lugar ao que chamamos de ciências humanas. “ (pg 70 do livro Vigiar e punir)

O s anormais , no século XVIII eram ordenados a partir de três figuras : 1) o monstro humano,
a perturbação que acarreta às regularidades jurídicas : o canibal, o parricida, os hermafroditas,
a exceção à forma da espécie 2) o individuo incorrigível, aquele que não se adéqua a nenhum
adestramento : imbecis, retardados, nervosos, desequilibrados. 3) o onanista, a criança, objeto
de cuidados específicos para com a sua própria sexualidade perversa.

É esta sociedade específica, moderna , que a partir da segunda metade do século XVIII que
Foucault designa “sociedade disciplinar”, isto é, “sociedade de vigilância”, que se ocupa de
adestrar e formar pensamentos, construindo hábitos e os próprios pensamentos. Uma espécie
de padronização. - > Globalização.

Um projeto de arquitetura elaborado pelo jurista inglês Jeremy Bentham – O Panóptico ( uma
forma de arquitetura que permite um tipo de poder do espírito sobre o espírito) - que dá a
Foucault a base para pensar o “poder disciplinar”.

Ele foi plenamente realizado sob várias formas institucionais (já no século XIX) na forma fabril,
pedagógicas, correcionais e terapêuticas. E claro que este sistema disciplinar se apóia sobre
uma economia da visibilidade.

Esta edificação do Panóptico, tem sua importância em substituir o “rei”. Como se a arquitetura
não fosse mais um símbolo do poder mas sim o lugar do poder.

“o dispositivo graças ao qual, na ausência de um soberano, correlato da individualização dos
sujeitos, haverá a possibilidade de uma objetividade do julgamento de si sobre si, aquilo graças
ao qual esta objetividade, principuo de comunicação por um mecanismo de autorreferencia.”
(Edwald)

Haja ou não vigia real, há a perda progressiva da privacidade do cidadão.

Deleuze : “ O segredo só existe para ser traído, trair-se a si mesmo.”

Que implicações decorrem dessa condição para o próprio individuo, além do risco da
obscenidade ?

Do latim, obscenus , é um termo que designa um “signo do mau, um “mau augúrio”,

um “infeliz presságio”.

Nesse sentido, um segredo que se exprime para qualquer um leva a marca da obscenidade,
que viu-se pouco a pouco, deslocada – passando do sentido sexual, para o uso ou manipulação
de certas técnicas cuja função é registrar tudo, ver tudo, expor tudo – dentro de um projeto
maior de exibição total.

O que significa segredo ?

Latim, scerno = separar, pôr de lado, que atrai diversos significados ambivalentes,
correspondentes a um momento do desenvolvimento infantil em que o individuo se confronta
com sua identidade de sujeito, é basicamente um “saber-que-se-esconde-do-outro”.

O segredo confere a quem o detém um poder sobre o outro, por outro lado, é o meio desse
poder.

Em suma, o segredo possui uma significação nuclear no desenvolvimento do psiquismo,
posição admitida por Freud, repensada e ampliada por inúmeros psicanalistas atuais. Para
Gerald Margolis, a identidade supõe o “sentimento de ser a parte, de ser diferente dos
outros.”

“é somente quando a criança começa a dar-se conta de que existem coisas sobre si mesma
que ela sabe e outros não que pode se sentir separada e independente e ser um individuo,
pelo menos nestes domínios secretos. Nesses domínios, ela é um ser à parte e independente
daqueles que não estão à par de seus segredos.”

Sendo o segredo psiquicamente vital ao sujeito, ele o é porque é a condição mesma de
possibilidade do pensamento se exercer ( Piera Aulagnier) “prazer de pensar “ e “liberdade de
pensar” acabam por ser sinônimos.” Para ele ainda, é necessário que o enunciado do Outro
possa ser posto em duvida para que o Eu conquiste sua autonomia. E “o primeiro testemunho
desta autonomia será a possibilidade de pensar secretamente”.

O que nos leva a pensar que , a partir do momento que se questiona o que o outro diz, é que
se tem construída a sua própria linha de pensamento ou de idéias.

Jurandir Freire Costa diz que se o individuo moderno é alguém cuja identidade é qualificada
pelo narcisismo, é porque se trata de um “individuo violentado antes de ser narcisista. É a
violência cotidiana a que está submetido o individuo que explica seu narcisismo e qualquer
aparência patológica que ele pode vir assumir.”

Assim, na sociedade moderna, uma sociedade atravessada por dispositivos que visam
perversamente a tornar transparentes todos os recantos da vida social, todo esforço individual
de preservação daquele direito pode significar um ato micropolitico, louco, dirão alguns, de
resistência não programada à ordem disciplinar.

CONCLUSÃO.

Esta sociedade moderna que busca a transparência dos indivíduos que a compõe, atropela
a individualidade de cada um e atrapalha o desenvolvimento do pensamento próprio, o
desenvolvimento do que lhe pertence.

Dentro da alteridade podemos refletir que há o interesse do outro para saber do ‘um’, e é
por isto que a confissão sempre terá um ouvinte. Existem os meios do controle (diretores
de presídio, pedagogos, entre outros), que são designados para exercer este papel de
padronização de pensamento e delimitação do que é ser.

O que o segredo traz é o poder de possuir o saber de algo que o outro não sabe, e isto é o que
faz criar autonomia de questionamento e criação de pensamento próprio.

A arte e a psicanálise podem ser relacionadas com os atos de resistência a esta padronização.

Ser o que mais há de você em si mesmo é importante, e questionar a transparência , o
que é ver. Ter segredos, que são basicamente manifestações internas que geralmente são
decorrentes de influencias externas e não merecem ser partilhadas; ser mais obsceno ou não
ser obsceno mas ser expositor, é o que constrói , não a essência, mas a composição mental,
psicológica e estrutural do ser.

A transparência

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Fiz um seminário sobre este tema, na graduação, e gostaria de compartilhar.
O texto se chamava As armadilhas da Transparência : O segredo, o obsceno..
Do livro Arte , dor : Inquietudes entre Psicanálise e Estética.
no proximo post estará disponível o seminário...
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